quinta-feira, 12 de janeiro de 2006

O POLVO (IV)

[Coincidindo com o início da campanha eleitoral para as eleições à presidência da República, que terão lugar a 22 de Janeiro próximo, gostaríamos de deixar o nosso contributo a quem nos lê, no que se refere a dois dos candidatos do “sistema”, responsáveis em nosso entender pelo estado calamitoso a que o nosso país chegou, mas que mesmo assim se apresentam a votos.
Ao longo desta semana, recorreremos a textos da autoria de Joaquim Vieira, publicados na entretanto extinta revista Grande Reportagem, relativos a Mário Soares. Na semana seguinte, contamos recordar algumas das “façanhas” promovidas pelo outro.]

Além da brigada do reumático que é agora a sua comissão, outra faceta distingue esta candidatura de Mário Soares a Belém das anteriores: surge após a edição de Contos Proibidos ‑ Memórias de Um PS Desconhecido, do seu ex‑companheiro de partido Rui Mateus.
O livro, que noutra democracia europeia daria escândalo e inquérito judicial, veio a público nos últimos meses do segundo mandato presidencial de Soares e foi ignorado pelos poderes da República. Em síntese, que diz Mateus? Que, após ganhar as primeiras presidenciais, em 1986, Soares fundou com alguns amigos políticos um grupo empresarial destinado a usar os fundos financeiros remanescentes da campanha. Que a esse grupo competia canalizar apoios monetários antes dirigidos no PS, tanto mais que Soares detestava quem lhe sucedeu no partido, Vítor Constâncio (um anti‑soarista), e procurava uma dócil alternativa a essa liderança. Que um dos objectivos da recolha de dinheiros era financiar a reeleição de Soares. Que, não podendo presidir ao grupo por razões óbvias, Soares colocou os amigos como testas‑de‑ferro, embora reunisse amiúde com eles para orientar a estratégia das empresas, tanto em Belém como nas suas residências particulares. Que, no exercício do seu «magistério de influência» (palavras suas, noutro contexto), convocou alguns magnatas internacionais ‑ Rupert Murdoch, Silvio Berlusconi, Robert Maxwell e Stanley Ho - para o visitarem na Presidência da República e se associarem ao grupo, a troco de avultadas quantias que pagariam para facilitação dos seus investimentos em Portugal. Note‑se que o «Presidente de todos os portugueses» não convidou os empresários a investir na economia nacional, mas apenas no seu grupo, apesar de os contribuintes suportarem despesas da estada. Que moral tem um país para criticar Avelino Ferreira Torres, Isaltino Morais, Valentim Loureiro ou Fátima Felgueiras se acha normal uma candidatura presidencial manchada por estas revelações? E que foi feito dos negócios do Presidente Soares? Pela relevância do tema, ficará para próximo desenvolvimento.
“Os Passos em Volta”- Joaquim Vieira – Grande Reportagem 243 – 03 de Setembro de 2005