quarta-feira, 11 de janeiro de 2006

O POLVO (III)

[No momento em que nos encontramos em campanha eleitoral para as eleições à presidência da República, que terão lugar a 22 de Janeiro próximo, gostaríamos de deixar o nosso contributo a quem nos lê, no que se refere a dois dos candidatos do “sistema”, responsáveis em nosso entender pelo estado calamitoso a que o nosso país chegou, mas que mesmo assim se apresentam a votos.
Ao longo desta semana, recorreremos a textos da autoria de Joaquim Vieira, publicados na entretanto extinta revista Grande Reportagem, relativos a Mário Soares. Na semana seguinte, contamos recordar algumas das “façanhas” promovidas pelo outro.]

A empresa Emaudio, dirigida na sombra pelo Presidente Soares, arrancou pouco após a sua eleição (ver esta coluna na anterior GR) e, segundo Rui Mateus em Contos Proibidos, contava «com muitas dezenas de milhares de contos “oferecidos” por [Robert] Maxwell (...), consideráveis verbas oriundas do “ex-MASP” e uma importante contribuição de uma empresa próxima de Almeida Santos». Ao nomear governador de Macau um homem da Emaudio, Carlos Melancia, Soares permite juntar no território administração pública e negócios privados. Acena-se a Maxwell a entrega da estação pública de TV local, com a promessa de fabulosas receitas publicitárias. Mas, face a dificuldades técnicas, o inglês, tido por Mateus como «um dos grandes vigaristas internacionais», recua. O esquema vem a público, e Soares acusa os gestores da Emaudio de lhe causarem perda de popularidade, anuncia-lhes alterações ao projecto e exige a Mateus as acções de que é depositário e permitem controlar a empresa. O testa-de-ferro, fiel soarista, será cilindrado – tal como há semanas sucedeu noutro contexto a Manuel Alegre. Mas antes resiste, recusando devolver as acções e emperrando a reformulação do negócio. E, quando uma empresa alemã reclama por não ter contrapartida dos 50 mil contos (250 mil euros) pagos para obter um contrato na construção do novo aeroporto de Macau, Mateus propõe o envio de um fax a Melancia exigindo a devolução da verba. O governador cala-se. Almeida Santos leva a mensagem a Soares, que também se cala. Então Mateus dá o documento a O Independente, daqui nascendo o «escândalo do fax de Macau». Em plena visita de Estado a Marrocos, ao saber que o Ministério Público está a revistar a sede da Emaudio, o Presidente envia de urgência a Lisboa Almeida Santos (membro da sua comitiva) para minimizar os estragos. Mas o processo é inevitável. Se Melancia acaba absolvido, Mateus e colegas são condenados como corruptores. Uma das revelações mais curiosas do seu livro é que o suborno (sob o eufemismo de «dádiva pública») não se destinou de facto a Melancia mas «à Emaudio ou a quem o Presidente da República decidisse». Quem, afinal, devia ser réu?
“Os Passos em Volta”- Joaquim Vieira – Grande Reportagem 245 – 17 de Setembro de 2005