quinta-feira, 27 de outubro de 2005

A RAZÃO DE LAGOS

Poucas cidades portuguesas têm um passado tão rico como Lagos, uma cidade cuja vocação para o turismo de pé descalço remonta a 2.000 anos A.C., altura em que um labrego de um celta chamado Brigo decidiu acampar perto de um lago acabando por ficar por lá a viver em pecado com os seus homens, naquilo que viria a ser um dos primeiros «spots gay» da península (tradição que se mantém até aos dias de hoje). O deboche gay foi tão grande que os Deuses se chatearam a arrasaram a cidade (que na altura se chamava Briga) por volta de 350 A.C., época em que um outro turista cartaginês, de nome Bohodes, decide voltar a edificá-la.
Com os cartagineses a tomar conta da loja a cidade torna-se um importante pólo turístico e comercial para os fenícios, gregos e, claro, os próprios dos cartagineses. A cidade torna-se conhecida na zona mediterrânica como um importante porto de entrada de drogas duras na península (tradição que também se mantém até aos dias de hoje).
Atraído pela reputação psicadélica que a cidade granjeara, o Império Romano toma a cidade no ano de 76 A.C. pela mão do general Metelo (ainda hoje se houve localmente a expressão «o que é preciso é Metelo» na boca da população lacobrigense). Metelo decide rebaptizar a cidade de Lacóbriga, onde introduz novas técnicas de orgia utilizando sardinha crua, ou por vezes, estivada. Durante alguns anos Lacóbriga passou várias vezes de mãos, entre romanos e visigodos.
Em 712 A.C. os árabes decidem acabar com aquela devassidão que não dignificava nada Alá e que, ainda por cima, estava a dar cabo da população de sardinhas na costa algarvia. Voltam a rebaptizar a cidade, dando-lhe o nome de Zawaia (que significa, ao contrário do que muita gente pensa, «o poço»). Como vêem Lagos já era um poço sem fundo no tempo dos árabes...
Os árabes permanecem alguns séculos em Zawaia e entretêm-se a pintar as casas de branco e a fazer umas chaminés esquisitas até que um dia são postos dali pra fora por um gajo com pretensões a cruzado, de nome D. Paio Peres Correia. Em 1249 a cidade fica definitivamente nas mãos do Reino de Deus e assume o nome actual de Lagos. A indústria do turismo sofre um considerável revés e a ideia dos cristãos é pôr tudo o que é estrangeiro na alheta. E durante 200 anos não acontece nada. Com a chegada do Infante D. Henrique a coisa muda substancialmente de figura. Sediado em Sagres, o Infante deslocava-se frequentemente a Lagos para dar largas à sua preferência desviante por meninos. Alguns dos seus preferidos viriam a tornar-se importantes navegadores, com o seu patrocínio: os mais conhecidos – Lançarote de Freitas, também conhecido por «ganda maluka» e Gil Eanes, o «bacamarte dourado» - são hoje figuras destacadas da história de cidade.
Com a época dos Descobrimentos a vida artística da cidade anima-se de sobremaneira, sendo largamente conhecidos os espectáculos nocturnos com mulheres desnudas, anões e cavalos pentapérnicos. Lagos é a primeira cidade portuguesa onde desembarcam escravos africanos, que fazem as delícias das raparigas da terra – é aqui que surge a tradição do «Bora Dar», vigente até hoje. Como sabemos as raparigas de Lagos nunca «dão» para ninguém, a não ser que este seja estrangeiro ou, no mínimo, de outro sítio que não Lagos.
Em 1573 o puto maluco decide dar-lhe o estatuto de cidade e torná-la Capital do Reino do Algarve, mas é sol de pouca dura. O puto maluco sai de Lagos para ir andar à porrada com os mouros e nunca mais volta, e o título de capital é retirado à cidade.
Entretanto, Sir Francis Drake, ouvindo falar do «Bora Dar» invade a cidade algumas vezes e «dá» que nem um perdido, até um dia apanhar sífilis, para nunca mais voltar (para desgosto de muita rapariga da terra).
Em 1755 a cidade é arrasada pelo terramoto e não retoma a pujança turística de outros tempos até 1960, altura em que a invasão sueca vem dar origem ao «Bora Levar», uma tradição que consiste em «levar» do primeiro pescador ou cigano que encontrarem à frente. Escusado será dizer que a tradição permanece actualmente, com uma maior proliferação de nacionalidades, coabitando com o «Bora Dar».
A revolução de Abril não altera grandemente o perfil turístico da cidade e dá azo ao aparecimento de figuras locais dignas de uma telenovela mexicana. Durante anos a cidade é governada pelo «Mister 10%», também conhecido pelo «Homem do Pum sem Cheiro» (Plano Urbanístico Municipal); sucede-lhe Tintim, um homem com uma estranha obsessão por rotundas; e finalmente Júlio Barroso, por muitos considerado um agente infiltrado da Direcção Geral de Viação, e cujo lema é «um semáforo em cada esquina».

Lagos lembra-me Portugal à micro-escala. Passado glorioso, presente insidioso, futuro duvidoso.
Os meus parabéns à cidade.

[Um post exclusivo e a pedido de 5Pontas a Humor Negro, de A Razão tem sempre Cliente, nosso amigo de longa data e conterrâneo, no dia do nosso Padroeiro, Gonçalo.]

15 comentários:

mfc disse...

Uma revisitação da história alegremente contada.
Parabéns ao escriba!

Anónimo disse...

Parece mais um arruaceiro...

Anónimo disse...

E figues nã há em Légues, só semáferes?

Humor Negro disse...

Há 2 semáforos por cada figo Mushu.

Fátima Santos disse...

ACREDITA QUE É VERDADE, MUSHU...
comemoras muito bem, HN! te agradeço!

mjm disse...

Linde! Linde!
Apeteceu-me ser dessa terra :-)
O texto está.... 5 estrelas por cada rotunda e semáforo! Parabéns!

Reino do Algarve disse...

Lagos: da escravatura ao desenvolvimento planeado

Um texto psicadélico, em relação a muitos outros, talvez traga um pouco de dor a quem o lê, assim como dor e pânico os Cartagineses trouxeram na era da escravatura, mas que a população de Lagos familiarizou-se rapidamente. E assim será em relação ao Humor Negro, mais um invasor,a juntar a Plutarco, Metelo ou Serorio, que eu leio com admiração, pelo facto de saber associar os factos a sua grande imaginação, parabéns.

Não querendo esquecer o nosso padroeiro o Frade agostinho Gonçalo de Lagos, doutor em teologia, beato que o povo de Lagos venerou, a melhor homenagem seria lembrar alguém responsável pela sua capela a repor os valores originais, isto é retirar uma peça nova de artesanato, tipo que se compra nas lojas dos chineses, ou outra casa de artesanato para turista comprar. Amigo responsável pela capela lembre-se que a criatividade consiste apenas em perceber o que já está lá. Sabia que os sapatos direito e esquerdo só foram inventados há pouco mais de um século?
Francisco Viegas

Makejeite disse...

Há blog indispensáveis! Há blogs e blogs! Há blogs que são blogs por força do nome! Há também aqueles blogs que se desenrascam! Há blogs, pronto! Mas há sempre uma razão que explica a existência da blogomania, e essa razão só pode ser uma boa razão. Há uma razão para se serem 5pontas num blog. Fazer-se bem o "BLOG". Um abraço e obrigado pelo texto que escolheram para o dia da cidade. Espero que as cabecinhas pensadoras da cidade reflictam nas entrelinhas.

Anónimo disse...

Gostei bastante. A parte sublime deste post e aquela do pum sem cheiro,porque faz referência a novo conceito de puns. Para aqueles que falam que Portugal tem que ser inovador é só virem a este blog e começarem a aprender alguma coisa.
Já agora vamos tentar descobrir se os puns do Tintin e do Julinho têm cheiro ou não.

O venenoso

Anónimo disse...

Boa amigo M.V., a tua imaginação continua em cima, a malta de lagos tem orgulho nos seus conterrâneos.

Anónimo disse...

Não há dúvida, os comentários são de longe melhores que o artigo, afinal que dia especial é hoje ?

Anónimo disse...

adorei esta Razão de Légues (curiosamente nunca lá ouvi ninguém dizer Lagos desta maneira, mas prontEs!), oxalá o S. Gonçalo te perdoe!

Anónimo disse...

"Lagos lembra-me Portugal à micro-escala. Passado glorioso, presente insidioso, futuro duvidoso".

Infelizmente, para o autor, todos os males advêm do poder: ao nível do País, do Governo; ao nível da cidade, do Presidente da Câmara! O Povo, esse, é o eterno imaculado, sempre codilhado na sua boa-fé na espera por um qualquer iluminado (do tipo do "puto maluco" que por aí passou) que lhe dê o que se acha com direito.

Discurso ingénuo, para entreter "putos malucos".

A cidade, à semelhança do País, sofre da demissão das suas elites (ou da falta delas...), e da sua substituição por uma fauna variada de xico-espertos à cata de dinheiro fácil (proveniente da chulice do Estado ou de estrangeiras malucas, da construção sem rei nem roque ou dos supermercados a eito, ou oriundo, quando não, de negócios ainda mais escuros), que se esqueceu que para colher lucro é necessário semear investimento, correr risco.

Onde estão as fábricas (de conservas, de cortiça, de cerâmica, de mármores...), onde estão as frotas pesqueiras, que dantes existiam e que com todas as suas limitações alimentavam a vida da cidade? Ficaram obsoletas, fruto da evolução? E o que as substituiu? Ou me engano ou foram substituídas pelo turismo de mochila às costas e pelos residentes sazonais...

Estas questões e outras delas derivadas, das quais depende o futuro da cidade (e do País), e não os gamanços do Martins, as rotundas do Valentim ou os semáforos do Barroso é que seria interessante ver abordadas. Porque os Martins, os Valentins e os Barrosos têm de se entreter com alguma coisa durante os seus curtos mandatos, mas as elites, incluindo as elites culturais e intelectuais, não podem ficar a entreter-se com tão tacanhas entretenhas.

Por este andar, provavelmente, não será necessária outra edição do terramoto de 1755 para que a calamidade se abata sobre a cidade e as suas gentes. Então, em vez de casas caídas teremos casas vazias, mas a míngua das gentes será a mesma.

Lacobrigense daí saído há muito e sem vontade de voltar.

Anónimo disse...

Concordo em absoluto com este último comentário. O fazer rir as gentes não deixa de ser uma forma de escamotear "o que eu deveria ter feito" e criticar quem faz alguma coisa. É fácil pegar na trouxa e zarpar, fácil cantar de galo. Foi assim que o Herman começou. O humor dava-lhe o direito de dizer o que lhe dava na real gana, encobrindo sempre a sua falta de criatividade na sugestão de algo construtivo. As pessoas batem palmas, ficam à beira do orgasmo e a distracção instala-se. É assim o futuro insidioso que se instala. O presente é que é duvidoso.

Anónimo disse...

Cool blog, interesting information... Keep it UP » » »